terça-feira, 28 de outubro de 2008

Direitos Humanos no Brasil - retrocesso



O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo elaborou, recentemente, o Terceiro Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil. Segundo os dados contidos neste trabalho, referentes anos de 2005 e 2006, a questão dos direitos humanos sofreu um retrocesso, uma estagnação no Brasil.


O documento produzido pela USP mostra, que em todos os estados da federação, tivemos graves violações dos direitos humanos. É fácil perceber que os sitemas estaduais e federais de segurança, justiça e admisnistração penitenciária não estão preparados, nem organizados, para investigar, processar e julgar casos de violações de direitos humanos, ou aplicar sanções criminais e cíveis aos responsáveis por estas violações. Sendo assim, a ação do Estado, em todas as esferas e instâncias, não somente é o responsável pela impunidade como também é conivente ou participante das violações. Sem Direitos Humanos não temos cidadania, sem cidadania não há democracia.


Seguem alguns dados do relatório:


  • o trabalho infantil cresceu no país ( 2004 para 2005), apesar do PETI e do Bolsa-Escola;

  • o trabalho escravo persiste em todas as regiões, com exceção da região sul;

  • de 2002 para 2005, os conflitos pela posse da terra se intensificou, e o número de pessoas mortas aumentou.

  • nas áreas urbanas, a violência fatal continua a atingir de forma intensa e desproporcional os jovens de sexo masculino, entretanto, o número de homicídios na região Sudeste caiu.

  • O Rio de Janeiro apresenta o maior índice de homicídios por 100 mil habitantes, 49,1/100mil, só perdendo para Pernambuco com uma taxa 50,7;

  • A violência policial se mantem no país, com destaque para o Rio de Janeiro e São Paulo.

domingo, 26 de outubro de 2008

Conflitos de terra no Brasil - dados 2007 CPT

A Comissão Pastoral da Terra(CPT) divulgou, no final do ano passado, uma série de dados sobre os conflitos ocorridos no campo brasileiro. Estes dados demonstram que apesar dos avanços neste setor, a questão agrária esta longe de ser resolvida. Seguem alguns dados:
  • Os conflitos pela água, neste ano, apresentaram crescimento em relação a igual período de 2006. De 38 conflitos para 40 em 2007. O número de pessoas envolvidas, porém, mais que dobrou: de 12.632 para 25.919. Na região Sudeste houve o maior crescimento desses conflitos, de 6, em 2006, para 14, em 2007. Destes, 11 são em Minas Gerais. 17 dos 40 conflitos, 42,5%, foram registrados nos Estados banhados pelo rio São Francisco, objeto do projeto de Transposição do governo federal.
  • Número de assassinatos dobra no Centro-Oeste. Analisando os números em detalhe, o que se vê é que o número de assassinatos que decresceu no país como um todo, teve um aumento de 100% no Centro-Oeste passando de 2, em 2006, para 4 em 2007; e de 50% na região Nordeste, passando de 4 para 6. No Centro-Oeste, 3 dos 4 assassinatos são de indígenas, dois deles no Mato Grosso do Sul onde os Guarani-Kaiowá vivem a situação mais dramática de que se tem conhecimento, encurralados em pequenas áreas ou acampados na margem de estradas, não se garantindo espaço para quem era o dono de toda aquela região. O outro indígena foi assassinado no Mato Grosso.No Nordeste, dos 6 assassinatos, 3 são também de indígenas, 1 na Bahia, 1 no Ceará, e 1 no Maranhão. Também ali se configura uma situação em que o avanço do agronegócio não respeita nada, muito menos comunidades tradicionais, taxadas de improdutivas e de serem empecilho para o progresso.
  • No Centro-Oeste, cresceu o número de pessoas submetidas ao trabalho escravo. De 1.078, em 2006, passaram para 1.157, em 2007, com destaque para Goiás que de 3 ocorrências, em 2006, passou para 8, em 2007, com envolvimento de pessoas passando de 113 para 441. O mesmo acontecendo em Mato Grosso do Sul onde se registraram 9 ocorrências, envolvendo 628 pessoas, em 2007, contra 3 ocorrências envolvendo 39 pessoas, em 2006. O trabalho escravo também cresceu expressivamente no Maranhão e no Piauí. Goiás também se destaca por ter aumentado o número geral de conflitos, de 28 para 31. O que mais chama a atenção, porém, na análise mais regionalizada dos números é a região Sudeste que se comportou de modo inverso ao restante do país. A região foi a única que apresentou crescimento no número de conflitos passando de 180, para 193 e no número de pessoas envolvidas, que saltou de 71.983 para 112.356. Em relação às famílias expulsas a região Sudeste seguiu a tendência geral do País, passaram de 95 para 435. O Sudeste também foi o único que apresentou crescimento no número de famílias despejadas passando de 980 para 1.477. Foi só nessa região, ainda, que houve crescimento no número de ocupações: 78, em 2006; 88, em 2007, e de acampamentos: 4, em 2006; 7, em 2007.Na região mais rica e urbanizada do País é impressionante constatar que ocorreram 23,5% de todos os conflitos no campo, e onde estão 20% das pessoas envolvidas em conflitos. O grande progresso tecnológico aplicado ao campo e o avanço das monoculturas geram, além das riquezas propagandeadas, maior desigualdade, exclusão e, em conseqüência disso, novos e graves conflitos. A bem da verdade pode-se imputar este destaque do Sudeste à presença mais próxima dos meios de comunicação que registram os fatos, na maior parte das vezes, para criticar a ação dos trabalhadores. Em outras regiões do País, boa parte dos conflitos nunca chegam ao conhecimento público. Como diz o professor Carlos Walter Porto Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense: “Não deixa de ser preocupante que a região mais rica do Brasil apresente crescimento da violência no campo em relação às demais regiões. Uma nova geografia da violência está se desenhando, conforme indicam estes dados parciais de 2007. Tudo indica que o avanço do cultivo da cana, diante da febre dos agrocombustíveis, esteja trazendo implicações no aumento do preço da terra, que rebate no programa de Reforma Agrária, e consigo carrega o aumento da violência .”

O texto modificado e adaptado do Blog - Mundo em Movimento

sábado, 25 de outubro de 2008

Preconceito, racismo e discriminação - Blue Eyed

Há alguns anos, o Canal GNT exibiu um documentário maravilhoso chamado Blue Eyes, fuxicando a internet achei no Youtube. Por favor assistam - http://www.youtube.com/watch?v=bJLmP7s-7Gw&feature=related, o filme mexe com qualquer um que assista.

O Filme mostra o trabalho da professora e socióloga Jane Elliott. O Documentário Blue Eyed mostra um exercício de discriminação pela cor dos olhos, no caso, azuis. A idéia é reproduzir com as pessoas de olhos azuis, as condições vividas pelos negros na sociedade norte-americana ( acho que vale para o mundo ocidental como um todo). O inicio do filme já mostra para que ele veio... Numa palestra com um auditório repleto de brancos, ela pergunta: "Se algum branco gostaria de receber o mesmo tratamento dados aos cidadãos negros em nossa sociedade, levante-se. (...) Ninguém se levantou. Isso deixa claro que vocês sabem o que está acontecendo. Vocês não querem isso para vocês. Quero saber por que, então, aceitam isso e permitem que aconteça com os outros.

domingo, 5 de outubro de 2008

O caso do Boimate

É muito provavel que o povo da área de comunicação conheça essa história, tenha a mesma como algo clássico, para mim é a mais absoluta novidade, por sinal uma maravilhosa novidade... risos
Jornalismo Científico: teoria e prática:: O caso boimate. Uma árvore que dá filé ao molho de tomate. E alguém acreditou nisso


Wilson da Costa Bueno*

Os jornais e revistas ingleses gostam de " descobrir" fatos científicos no dia 1º de abril. A maior revista brasileira " comeu barriga" e entrou na deles. Conheça a história do " boimate", " uma nova fronteira científica". O " fruto da carne", derivado da fusão da carne do boi e do tomate, batizado com o sugestino nome de boimate, constituiu-se, sem dúvida, no mais sensacional " fato científico" de 1.983, pelo menos para a revista Veja, em sua edição de 27 de abril. Na verdade, trata-se da maior " barriga" (notícia inverídica) da divulgação científica brasileira. Tudo começou com uma brincadeira – já tradicional – da revista inglesa New Science que, a propósito do dia 1º de abril, dia da mentira, inventou e fez circular esta matéria. A fusão de células vegetais e animais entusiasmou o responsável pela editoria de ciência da Veja que não titubeou em destacar o fato. E fez mais: ilustrou-o com um diagrama (aqui incluído) e entrevistou um biólogo da UPS, para dar a devida repercussão da descoberta. Para a revista, " a experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E abre uma nova fronteira científica". O ridículo foi maior porque a revista inglesa deu inúmeras pistas: os biólogos Barry McDonald e William Wimpey tinham esses nomes para lembrar as cadeias internacionais de alimentação McDonald´s e Wimpy´s. A Universidade de Hamburgo, palco do "grande fato", foi citada para que pudesse ser cotejada com " hamburguer" e assim por diante. Mas nada adiantou. A descoberta do engano foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo que, após esperar inutilmente pelo desmentido, resolveu " botar a boca no mundo" no dia 26 de junho. O espírito gozador e , mais surpreendente às vezes até irado do brasileiro, no entanto, não deixou por menos. Durante o intervalo entre a matéria da Veja e o desmentido do Estadão, cartas e mais cartas chegaram às redações. Um delas que, maliciosamente, assinou " X-Burguer, Phd, Capital", lembrava que no Brasil já haviam sido feitas descobertas semelhantes: o jeribá, cruzamento de jabá com jerimum, ou o goiabeijo, cruzamento de gens de goiba, cana-de-açúcar e queijo, e adiantava que seus estudos prosseguiam para criação do Porcojão ou Feijoporco, cruzamento de porcos com feijões que ele esperava dar como contribuição à tradicional feijoada paulista. Domingos Archangelo escreveu ao Jornal da Tarde uma carta colérica contra a " a violação das leis naturais". Segundo ele, " do alto dos meus 76 anos, não posso ficar calado ante tal afronta às leis divinas. Boi nasceu para pastar, para puxar os saudosos carros do interior e para nos oferecer sua saborosa carne. E tomate, além das notórias qualidades que se lhe imputam na cozinha, serve também para ser arremessado à cabeça de quem perpetra tal montruosidade e, também, dos dão guarida e incentivam tais descobertas".
Francisco Luís Ribeiro, outro leitor da Capital, relata outros cruzamentos, além do boimate, que deram certo e cita experiências para " cruzar pombo-correio com papagaio, para o envio de mensagens faladas". Finalmente, com o objetivo de pôr fim ao caso que já divertia as redações, a revista publicou, na edição de 6 de julho, ou seja, depois de dois meses, o desmentido: " tratou-se de lastimável equívoco". E justificou-se, explicando que é costume da imprensa inglesa fazer isso no dia 1º de abril e que, desta vez, havia cabido à revista entrar no jogo, exatamente no " seu lado mais desconfortável".
A tradição inglesa e outras barrigas
Através do correspondente inglês Colin Seaward, do Jornal do Brasil, o leitor brasileiro ficou sabendo este ano (1) das novas mentiras veiculadas pelos jornais londrinos, por ocasião do 1º de abril. Desta vez, The Independent, diário que circula em Londres, foi o responsável pelo grande fato. Segundo o jornal, um lavrador da ilha de Melos, na Grécia, fez a maior descoberta arqueológica do século, encontrando em suas terras os braços da célebre Vênus de Milo, a mais famosa escultura do mundo, presente no Museu do Louvre, em Paris. O governo francês estaria negociando com o da Grécia o implante – ainda de acordo com The Independente – , após ter sido comprovado que os braços eram autênticos. Até os anunciantes resolveram pregar suas peças nos leitores. A BMW, fabricante alemã de carros, em anúncio publicado também em The Independent, advertia que cópias da marca fabricadas no Extremo Oriente estavam sendo exportadas para a Inglaterra. Aproveitava para ensinar as formas de se reconhecer a autenticidade do produto. Por exemplo, os pelos dos tapetes dos carros verdadeiros inclinam-se para a direita e os dos falsos, para a esquerda. Mais ainda: o nível de ruído do motor deve ser testado, obedecendo ao ritual dos engenheiros autorizados, na fábrica alemã: o motorista deve sentar-se no carro com o motor ligado e pedir a outra pessoa, a três metros de distância, que grite: " Esel! Du bist reingefallen" (Seu asno! Você caiu na armadilha!) É evidente que quem soubesse um pouco de alemão, teria grandes chances de descobrir, neste ponto, a brincadeira, mas não são muitos os ingleses que falam o alemão. A empresa australiana de aviação Qantas não deixou por menos. Em página inteira, anunciava ter inaugurado um vôo direto Londres-Sidney, possível graças a um novo sistema – O Aprist – de reabastecimento em vôo. O Aprist reabastece, segundo a Qantas, o avião e os passageiros, mediante uma combinação de calhas que fornecem alimentos e bebidas, enquanto o aparelho vai sendo reabastecido. Mancada maior, no entanto, deu o jornal Notícias Populares, de São Paulo, famoso pelas notícias policiais sensacionalistas e por fechar muito cedo as suas edições diárias. Quando da agonia do ex-presidente Tancredo Neves, ele explorou à larga o fato, abrindo manchetes garrafais. No dia da morte, o jornal estava ainda em cima do processo de esfriamento do corpo, tema das últimas manchetes. Na pressa de chegar cedo às bancas, não esperou até à noite para verificar o estado de saúde do presidente (ele tinha estado muito mal o dia todo) e, no dia seguinte, saiu com essa: " Trancredo cada vez mais frio." Foi o único jornal diário que não noticiou a morte do presidente. Foi também a maior " fria" do jornalismo brasileiro.

Notas(1) O ano referido pelo artigo é de 1987, quando ele foi publicado no jornal Imprensa Brasileira 87.
Observações complementares: 1) Com o avanço da engenharia genética, esta notícia talvez fosse hoje menos sensacional. Os xenotransplantes e a agrobiotecnologia têm gerado resultados não menos surpreendentes; 2) Há quem suspeite de que a redação de o jornal O Estado de S. Paulo tenha forjado pelo menos algumas das cartas por ele publicadas a respeito do caso boimate; 3) Alguns trechos de cartas aqui citadas foram recuperadas da matéria do Estadão sobre a " barriga" da Veja, no dia 26 de junho de 1983 ; 4) As " barrigas" não são exclusividade dos veículos brasileiros e, em nosso país, da revista Veja; 5) Os pesquisadores precisam tomar muito cuidado antes de repercutirem fatos científicos, alardeados pela mídia, porque, embora teoricamente possíveis, podem ser, naquele momento específico , um equívoco. Lembremos do caso da fusão a frio, amplamente noticiada pela mídia mundial , e que se constituía numa fraude. A descrição e a análise deste fato foi objeto de uma interessante dissertação de mestrado, defendida na USP, pelo jornalista, professor e pesquisador Roberto Medeiros.
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OBS: Artigo publicado originalmente na edição especial Imprensa Brasileira 87, comemorativa do Dia da Imprensa, em 10 de setembro de 1987, p.12, publicada pela Comtexto Comunicação e Pesquisa e dedicada totalmente ao Jornalismo Científico.
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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

sábado, 4 de outubro de 2008

Manipulação da Informação - O caso da revista VEJA

Em seu blog (http://luis.nassif.googlepages.com/home), o jornalista Luis Nassif desmascara a revista Veja, mostrando com detalhes os esquemas e as artimanhas. Segue abaixo, alguns trechos .... Visitem e leiam o blog.

O caso de Veja por Luís Nassif

O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja.Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.

Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças. O primeiro conjunto são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo. O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década... A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.
O estilo neocon
De um lado há fenômenos gerais que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons” americanos, foi adotada por parte da imprensa brasileira como se fosse a última moda.
Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.
Um segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula, fruto dos escândalos do “mensalão”, do deslumbramento inicial dos petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de classe. Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo estilo “neocon”. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo Jabor -, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.
O jornalismo e os negócios

Outro fenômeno recorrente – esse ainda nos anos 90 -- foi o da terceirização das denúncias e o uso de notas como ferramenta para disputas empresariais e jurídicas.
A marketinização da notícia, a falta de estrutura e de talento para a reportagem tornaram muitos jornalistas meros receptadores de dossiês preparados por lobistas.
Ao longo de toda a década, esse tipo de jogo criou uma promiscuidade perigosa entre jornalistas e lobistas. Havia um círculo férreo, que afetou em muitos as revistas semanais. E um personagem que passou a cumprir, nas redações, o papel sujo antes desempenhado pelos repórteres policiais: os chamados repórteres de dossiês.
Consistia no seguinte:
O lobista procurava o repórter com um dossiê que interessava para seus negócios.
O jornalista levava a matéria à direção, e, com a repercussão da denúncia ganhava status profissional.
Com esse status ele ganhava liberdade para novas denúncias. E aí passava a entrar no mundo de interesses do lobista.
A degradação jornalística da revista Veja foi fruto de dois fenômenos simultâneos que sacudiram a mídia nos últimos anos: a mistura da cozinha com a copa (redação e comercial) e o afastamento dos princípios jornalísticos básicos.

Vamos analisar um processo de cada vez.
A copa e a cozinha

Os grupos de mídia sempre tiveram interesses paralelos em jogo. Para não contaminar as redações, se procurava tratar em âmbito das cúpulas das empresas. Sempre havia maneiras “técnicas” de vetar determinadas matérias que não interessavam, assim como conferir tratamento jornalístico a matérias de interesse da casa.

Para administrar esse território delicado, as boas redações jamais prescindiram de comandantes fortes e competentes. São os avalistas do jornalismo perante a empresa e da empresa perante a redação. Não vão contra a lógica comercial, mas são os radares, aqueles que informam até onde se pode avançar no noticiário sem comprometer a credibilidade da publicação.

Após a crise cambial de janeiro de 1999, o quadro começou a mudar. Apertos financeiros levaram gradativamente muitas publicações a abrirem mão de cuidados básicos, não só permitindo a promiscuidade entre a copa e a cozinha (redação e comercial), mas também manobras de mercado. Quanto às manobras de mercado, deixo apenas registrado, porque não será tema dessa série.

No início de 1999, um episódio marcaria os novos tempos de Veja. Em 10 de março de 1999, em pleno escândalo das “fitas do BNDES”, a revista recebeu material demonstrando que a Previ tinha assinado acordo com o banco Opportunity, de Daniel Dantas, mesmo tendo sido desaprovado por sua diretoria. A matéria foi feita pelo repórter Felipe Patury (clique aqui).

"No início de fevereiro, um diretor do fundo, Arlindo de Oliveira, mandou uma carta ao presidente da Previ. São três páginas, e o tom é de indignação, expresso em frases que se encerram com três pontos de exclamação. Na carta, o diretor relata que a diretoria da Previ, reunida em julho do ano passado, decidiu que não faria parceria com o Opportunity no leilão das teles tendo de pagar ao banco 7 milhões de reais por ano de "taxa de administração". A diretoria achou o valor descabido e decidiu só fazer o negócio se não tivesse de pagar a taxa. O estranho é que essa decisão foi ignorada. A Previ associou-se ao Opportunity na compra de três teles (Tele Centro Sul, Telemig Celular e Tele Norte Celular) e comprometeu-se a arcar com os 7 milhões de reais por ano, apesar da decisão contrária da diretoria".

Segundo a matéria, a Previ também havia entrado – sem autorização da diretoria – na operação de compra da Telemar que – na época – pensava-se que sairia para o Opportunity.
Na semana seguinte, o repórter conseguiu mais material das suas fontes. Chegou a preparar a matéria. Uma semana depois, na edição de 17 de março de 1999, a matéria não saiu publicada. Mas, pela primeira vez, o banco Opportunity – denunciado na edição anterior – bancou duas páginas de publicidade na revista. Não batia. O Opportunity não é banco de varejo, não atua sequer no middle market, não havia lembrança de publicidade dele nem mesmo em revistas especializadas – como a Exame.

No dia 31 de março de 1999, mais duas páginas de publicidade do Opportunity.
Esse mesmo procedimento – em mão inversa – seria empregado nas duas edições em que Diogo Mainardi me atacou, em defesa de Daniel Dantas. Só que, nesses casos, a fatura foi mais alta: 6 páginas de publicidade da Telemig Celular e Amazônia Celular em cada edição, 12 ao todo. Também não se justificava tamanho investimento publicitário por parte de empresas que tinham atuação regional.

Qualquer manual de administração ensina que, quando a empresa passa a fugir do comportamento ético nas suas ações externas, acaba contaminando toda a estrutura.
Aparentemente, ocorreu um liberou geral na revista. É o que explica as atitudes de Eurípedes com Eduardo Fischer ou as de Mário Sabino manipulando listas de livros mais vendidos para incluir o seu. E o lobby escancarado da revista em favor de Daniel Dantas, especialmente através das colunas de Diogo Mainardi.

Com escorregões cada vez mais freqüentes, tornou-se difícil – mesmo para os leitores mais atilados – identificar o que eram falhas editoriais, interesse da Abril ou interesse dos diretores da revista.

Havia um fator a mais a estimular a falta de controle: a desobediência ampla aos princípios jornalísticos básicos. E aí se encontra um farto material sobre o mais completo compêndio de anti-jornalismo que a história moderna da mídia brasileira registrou: o estilo Veja de jornalismo.
Desde os anos 80, cada vez mais Veja se especializaria em “construir” matérias que assumiam vida quase independente dos fatos que deveriam respaldá-las. Definia-se previamente como “seria” a matéria. Cabia aos repórteres apenas buscar declarações que ajudassem a colocar aquele monte de suposições em pé.

Essa preparação prévia da reportagem ocorre toda segunda-feira nas reuniões de editores. É chamada de "pensata".

O que era um estilo criticável, com o tempo acabou tornando-se uma compulsão, como se a revista não mais precisasse dos fatos para compor suas reportagens. Ela se tornou uma ficção ampla, algo que é de conhecimento geral dos jornalistas brasileiros.
Ainda nos anos 80, o caso mais célebre foi o do “boimate” – criação de Eurípedes Alcântara, já mencionado em outro capítulo.

Mas, à medida que se entrava na era Tales Alvarenga- Eurípedes- Sabino, final dos anos 90 em diante, esse estilo ficcional passou a arrostar os limites da verossimilhança.

O primeiro filtro sobre uma matéria é avaliar se os fatos relatados são verossímeis. Se passar nesse teste básico, é que se irá conferir se, mesmo sendo verossímeis, também são verdadeiros.
Com o tempo, tornaram-se cada vez mais freqüentes as matérias absurdas, sem nexo, sem conhecimento básico sobre economia, finanças, valores, relações de causalidade. Sobre jornalismo, enfim.

O modelo Veja de reportagem
Antes de análises de caso, vamos a uma pequena explicação sobre como é esse modelo Veja de reportagem.
1. Levantam-se alguns dados verdadeiros, mas irrelevantes ou que nada tenham a ver com o contexto da denúncia, mas que passem a sensação de que o jornalista acompanhou em detalhes o episódio narrado.
2. Depois juntam-se os pontos, cria-se um roteiro de filme, muitas vezes totalmente inverossímil, mas calçado nos fatos supostamente verdadeiros.
3. Para “esquentar” a matéria ou se inventam frases que não foram pronunciadas ou se tiram frases do contexto ou se confere tratamento de escândalo a fatos banais. Tudo temperado por forte dose de adjetivação.
O caso "boimate" é clássico. Depois de cair no conto de 1o de abril da New Scientist - sobre um cruzamento de boi com tomate que resultou em uma carne com molho -, envia-se um repórter para obter uma frase de efeito de um cientista da USP.
O repórter perguntou o que o cientista achava. A resposta foi que era impossível tal experimento. O repórter tinha que voltar com a frase que se encaixasse na matéria, então insistiu: "E se fosse possível!". O cientista, ironizando: "Seria a maior revolução da história da genética".
A matéria saiu com a frase do infeliz dizendo que era a maior revolução da história da genética.

( acredito que seja o suficiente para despertar o interesse pelo Blog do jornalista, no meu caso estou devorando todas as matérias)

 
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